A Escassez de água na região do Algarve não tem escassez de culpados

A escassez de água não é certamente um tema novo, muito menos no que diz respeito ás regiões mais secas em Portugal, nomeadamente o Alentejo e o Algarve, este último sendo o caso mais grave. 

No Algarve, os anúncios de; aumentos dos preços da água aos consumidores; de redução do consumo na agricultura; de perdas de produtividade agrícola na região; ou da suposta construção de uma dessalinizadora, não são novidade. Alias o tema da dessalinizadora, tem seguido outros exemplos de obras públicas em Portugal, sendo já falado desde o primeiro governo de Sócrates.

Recentemente, o Governo, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática, conjuntamente com a Agência Portuguesa do Ambiente, iniciaram um plano para fazer face á crise de escassez de água no Algarve. Repetindo a mesma receita, propõem aumentos ao consumo.

O consumo doméstico, responsável por 33% do consumo de água na região, será obrigado a reduzir o seu consumo em 15%; e o consumo agrícola, responsável por 56% do consumo de água na região, será obrigado a reduzir o consumo entre 25% e 70%. O mesmo corte de 15% será imposto ao sector do Turismo, que é responsável por 12% do consumo na região.
 

As Camaras Municipais na região, á excepção de Silves, já avançaram assim com um aumento geral de preços, em todos os escalões de consumo, á excepção do primeiro.


  • 1º Escalão, até 5m3, isento de aumentos.
  • 2º Escalão, 5m3 a 15m3, aumento de 15%.
  • 3º Escalão, 15m3 a 25m3, aumento de 30%.
  • 4º Escalão, superior a 25m3, aumento de 50%.
  • Foi referido que poderia ser colocada a hipótese de, caso os consumidores reduzissem o consumo em 15%, face ao ano de 2023, não seriam alvo deste aumento, no entanto pouco ou nada foi avançado sobre a praticabilidade da introdução deste mecanismo de ajuste.


O sector agrícola, afirma que com os cortes sucessivos que tem sido alvo, se deve abrir o debate sobre a viabilidade da agricultura no Algarve, ou o seu fim. Tanto Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP, em entrevista ao Jornal Público, como Luís Mira, secretário geral da CAP, em entrevista ao Diário de Notícias, afirmam que esta imposição é o fim anunciado da agricultura na região, afirmando que o sector tem realizado fortes investimento na redução do consume e na sua eficiência hídrica, tal como consideram que há soluções como: transvases de águas de bacias a Norte, para as bacias a Sul; eliminação de desperdícios de água municipal; mas que acima de tudo á uma enorme falta de vontade política para por em marcha planos efectivos de sustentabilidade para a região, limitando-se o poder político a executar cortes.

Por último, o sector do turismo reitera também os investimentos feitos no re-aproveitamento da água; refere a dificuldade, para além da sensibilização que exerce, de induzir hábitos de consumo mais moderados; como reforça a ideia de que, com menor consumo de água, a atividade turística poderá sofrer perda de receita, que se alastra aos inúmeros sectores ligados ao turismo e ao golf.

Atendendo á especificidade da região do Algarve, todos os agentes envolvidos neste debate, estão economicamente bastante interdependentes, vejamos:

  • Os cidadãos dependem fortemente do turismo, 67% auferem rendimentos ligados ao sector, dos quais 57% directamente do sector, e 47% tem familiares directos a trabalhar no sector. Tal como da agricultura, para acesso a bens alimentares produzidos localmente, o que permite maior qualidade, ao menor preço possível, atendendo aos custos de transporte de mercadorias, dado que, o Algarve, sendo uma região periférica nacional, necessita de importar muito do seu consumo, algo que comporta custos que outras regiões não têm, pelo menos, na mesma dimensão.
  • O turismo depende da mão-de-obra da região para a sua atividade, e em certa medida da agricultura local para acesso a bens alimentares locais e frescos.
  • A agricultura, depende do consumo local, tanto residencial como turístico.
  • Por último, as entidades públicas “dependem” de todos, na medida da colecta de impostos e taxas, tal como na dependência económica regional e nacional. As autarquias com as suas taxas, e o Estado com os seus impostos e grau de dependência do sector do turismo no PIB nacional.


Num quarteto de culpas e culpados, quem é afinal o maior responsável?

  • Podemos culpar algum excesso de consumo dos consumidores;
  • Podemos culpar algumas escolhas de espécies cultivadas no Algarve, e questionar a sua sustentabilidade ambiental;
  • Podemos culpar o turismo, pelos seus campos de golf e piscinas;
  • Podemos culpar as Câmaras Municipais, pela sua falta de obras de saneamento, sendo que é estimado que haja cerca de 30% de desperdício de água nas condutas, cujo custo é inclusive repercutido aos consumidores finais.


Mas será que não deveríamos culpar a ausência dos vários Governos, em matéria de políticas e acção concreta para a mitigação deste problema?

  • Á anos que se fala numa dessalinizadora para o Algarve;
  • As políticas agrícolas são também uma responsabilidade, tanto europeia como nacional. Recordemos que foram dados incentivos á plantação de abacate no Algarve;
  • A introdução de normas na construção, que exijam a obrigatoriedade na introdução de sistemas de aproveitamento de águas, também é uma responsabilidade do Governo;
  • A própria inacção governativa, ao longo de anos, sobre este tema, é por si só, uma culpa de sucessivos governos. Que hoje, para não variar, apenas sugerem aumentos do preço da água. Penalizando cidadãos já por si bastante vulneráveis, dependentes de uma economia sazonal, onde muitas vezes alternam entre emprego no verão e subsídios no inverno; asfixiando o sector agrícola, o único que ainda vai combatendo a total desertificação do território interior algarvio; e penalizando a competitividade do sector turístico, algo que pode afectar a sustentabilidade económica de toda a região.  

Atendendo á grande possibilidade de agravamento do problema, a solução será sempre aumentar taxas ao consumo de água?

Legenda: Quantidade de secas actuais e projecção de agravamento das secas na Europa. (Fonte: European Drought Monitor).
 
 
 

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