Inovação no Transporte de Carga Marítimo – O Metanol Verde

O sector dos transportes é um dos contribuintes mais significativos para os níveis de poluição actualmente, sendo o sector de transporte marítimo internacional, por si só, responsável por aproximadamente 3% das emissões mundiais de gases com efeito de estufa em 2022. 
 
O transporte marítimo de carga, dentro do sector dos transportes, ocupa a terceira posição no ranking de poluição realizada pelo sector, representando 11% do total, depois dos veículos de passageiros com 39% e dos camiões médios e pesados com 23%. 
 
Dentro do transporte marítimo também existem diferenças, sendo os bulk carriers, navios de carga bruta, que geralmente transportam matérias-primas, desde metais (alumínio, cobre, carvão, por exemplo) a produtos alimentares (cereais, sal, por exemplo). De seguida temos os petroleiros, e em terceiro lugar os navios de carga de contentores. Sendo estes três os maiores responsáveis pela poluição gerada pelo sector.

Legenda: Emissões de dióxido de carbono no transporte marítimo mundial em 2020, por tipo de navio. Fonte: (Statista).

O contínuo aumento do comércio global, tem como consequência inerente, o aumento do transporte marítimo de mercadorias, a da sua pegada ecológica, principalmente devido ao CO2 que emite, dado recorrer quase exclusivamente a combustíveis fosseis. Assim, o aumento do comércio global deverá gerar índices de poluição, de forma crescente até ao ano 2050, caso não sejam tomadas medidas proactivas.

Esta questão também merece a reflexão sobre as cadeias de valor actuais. Vivemos num mundo globalizado, onde se tornou economicamente mais viável para muitas empresas, importar bens provenientes de regiões distantes, ao invés de se abastecerem preferencialmente através de fornecedores mais próximos. 

Dentro das possíveis razões para tal acontecer, está a crescente competitividade de preços em certas regiões, que produzem mais e a preços mais competitivos; a competitividade e preços do transporte marítimo; e como referimos já noutra publicação, devido ao desinvestimento e externalização de certas actividades por parte de algumas regiões, nomeadamente EUA e UE

Durante a época de covid em 2020, percebemos o quão frágil podem ser estas cadeias de valor, que perante a disrupção do circuito comercial mundial, e com o aumento exponencial dos preços do transporte marítimo, se iniciou novamente o debate na Europa e EUA, sobre a necessidade de depender menos deste sistema. No entanto, está previsto que nos próximos anos, o comércio através de transporte marítimo cresca significativamente, como indica o gráfico abaixo.

Legenda: Projeções para a procura de transporte marítimo internacional. Fonte: (Baumler, R. et al, 2014). 

Neste sentido, atendendo ao crescimento do volume de transporte marítimo, aos seus níveis de poluição, e aos objectivos de redução de CO2 mundiais,  consideramos interessante mencionar um exemplo de inovação no sector, que procura contribuir para a redução das emissões causadas pelo transporte marítimo, a nível global. Sendo que o recurso ao metanol verde se apresenta como uma inovação interessante, dado que não só reduz as emissões causadas directamente pela sua actividade, como consegue faze-lo reduzindo o volume de emissões provindas de outros sector, nomeadamente os da gestão de resíduos urbanos e agrícolas. 

A Maersk, um dos maiores grupos de transporte marítimo de carga, conjuntamente com o seu accionista maioritário, formaram uma nova empresa para produzir “metanol verde”, e iniciaram o processo de encomenda e aquisição de 25 navios movidos a metanol verde, sendo que o primeiro navio, denominado de Laura, já foi apresentado ao público.

 

 

 

O metanol verde, produzido a partir de biomassa, ou de carbono e hidrogénio capturados a partir de energias renováveis, pode reduzir as emissões de dióxido de carbono provocado pelos navios de transporte de carga, entre 60% e 95%, em comparação com o uso de combustíveis fósseis convencionais.

A empresa não se compromete em converter toda a sua frota para metanol verde, dado que assume que outras fontes alternativas verdes podem surgir nos próximos tempos, no entanto, reitera o seu compromisso de contribuir para o objectivo de emissões zero. Se este exemplo for seguido por outras empresas no sector, podemos estar perante uma transição relevante para a redução de emissões. A MSC, maior empresa no sector e a que detem o maior número de navios, já introduziu o uso de gás natural líquido em alguns dos seus navios. 

No entanto o exemplo da Maersk parece-nos bastante mais promissor. Em baixo a empresa apresenta as três diferentes vias para a obtenção do metanol verde.

Legenda: As três diferentes fontes de metanol e respectivos processos de transformação. Fonte: (Maersk).

O que torna esta inovação ainda mais promissora, é o facto de recorrer a biomassa proveniente da gestão de resíduos (lixo), tal como pode ser obtida através do processamento de resíduos provenientes de explorações pecuárias, nomeadamente o estrume animal. Sendo estas duas "matérias-primas", para obtenção de metanol verde, também duas fontes de emissões poluentes.

A gestão do estrume animal é responsável por cerca de 10% do total das emissões globais de gases com efeito de estufa do sector da pecuária, e de 7% das emissões do sector agrícola global.

Legenda: Percentagem de emissões na gestão de estrume por animal, 2001-2011. Fonte: (FAO).

Já o desperdício alimentar, segundo um estudo de Poore e Nemecek (2018), é responsável por quase um quarto (24%) das emissões poluentes ligadas ao sector alimentar. 

Cerca de 15% provêm de perdas na cadeia de abastecimento que resultam de técnicas inadequadas de armazenamento e manuseamento; falta de refrigeração; e deterioração no transporte e processamento. Os outros 9% provêm de alimentos que são deitados ao lixo, pelo retalho ou pelos consumidores finais. Isto significa que o desperdício de alimentar é responsável por cerca de 6% do total das emissões globais de gases com efeito de estufa. Valor que poderá até ser ligeiramente superior, caso fosse incluído o desperdício alimentar realizado no local de produção primário (Poore and Nemecek, 2018).

Em baixo podemos melhor compreender o volume de desperdício por país. Parece evidente a relação entre países com mais população e países com mais desperdício, no entanto, convém também ter em conta o desperdício per capita. 

Não deixar de referir também que, independentemente do desperdício alimentar poder agora ser visto como uma oportunidade para a geração de metanol verde, reduzindo emissões a dois níveis, este deveria ser combatido e evitado ao máximo, afinal, em última análise seria sempre economicamente mais eficiente que ele não existisse sequer, ou fosse residual.

Legenda: Top 10 de países em desperdício alimentar em toneladas, e per capita. Fonte: (UNEP).

Por fim, resta apenas sublinhar o potencial logístico da inovação de uso de metanol verde no transporte marítimo. Ora vejamos:

Tendencialmente a maioria dos resíduos urbanos são gerados em cidades densamente povoadas, em grandes cidades. Tendencialmente também, é nas grandes cidades onde estão localizados os meios logísticos de transporte de mercadorias e portos marítimos. Caso as centrais de conversão de resíduos em metanol sejam instaladas estrategicamente junto aos portos marítimos das grandes cidades, isso irá permitir que os navios atraquem, carreguem\descarreguem a mercadoria e abasteçam no próprio local. 

Outro aspecto a reforçar o potencial logístico, é o facto das principais rotas marítimas de transporte ser realizada entre grandes países ou regiões económicas, por exemplo da China para UE ou EUA, ou do EUA para UE, ou vice-versa. Regiões essas, que a avaliar pelos dados, são quem mais resíduos gera, e logo, mais potencial de reconversão para metanol existe. 

Já no que diz respeito á produção de metanol verde através da gestão de resíduos de explorações animais (estrume), acreditamos que um maior potencial logístico poderá ser alcançado através da instalação de centrais de conversão em zonas rurais, que possam vir a abastecer maquinaria agrícola movida a metanol verde. 



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